Cá estou, voltando de recesso em meio às lembranças de bailes inesquecíveis (alô, coelho mau) e Fernanda Torres totalmente premiada. Já tem algum tempo que tenho optado por ler aquilo que seja condizente com o momento que estou vivendo, tanto de forma pessoal quanto coletiva. Então, para fazer jus à atmosfera, tenho escolhido nomes latinos para minhas leituras, e como é bom poder mergulhar nessa literatura tão fértil.
Ler mais nomes brasileiros e de nossa vizinhança não é algo dado, já que somos bombardeados desde sempre com referências norte-americanas e europeias, mas desde que me propus a fazer esse movimento de olhar e perceber os nossos, tenho me fascinado cada vez mais (e me surpreendido cada vez menos com produções gringas rs). Enquanto celebro o sucesso alcançado por Ainda Estou Aqui, me pego pensando que o exercício da memória é tão mais envolvente quando podemos fazê-lo através da arte. Recentemente, li dois livros nacionais que também me fizeram caminhar por nossa história: O crime do cais do Valongo, de Eliane Alves Cruz, e O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk.
Ambos nos levam de volta ao início do século XIX, e nos revelam capítulos de nossa história que devem ser lembrados; a saber, respectivamente: a vida e morte nos arredores do cais do Valongo, porta de entrada de centenas de milhares de pessoas escravizadas, contada por Muana, da etnia Macua-Lómuè e por Nuno Moutinho, nascido no Rio (na época, São Sebastião do Rio de Janeiro); e a trajetória de duas crianças indígenas das etnias Miranha e Juri – nomeadas aqui como Iñe-e e Juri – que foram sequestradas e levadas para a Europa, apenas para perecer no velho continente.
Com essas narrativas, me emocionei de diversas formas. Dar voz às personagens que não pudemos ouvir é um movimento necessário que a arte nos possibilita. Apesar dos estopins terem sido as ações de colonizadores, as narrativas levam por outros caminhos e revelam personagens que foram sequestradas de suas terras por interesses imperialistas, tecendo um convite para entender suas subjetividades, vislumbrar suas vidas antes das malfadadas emboscadas e testemunhar suas trajetórias. Tratam-se de romances históricos pautados em sólidas pesquisas, efetuadas por autoras dedicadas com o resgate e a homenagem às vidas daqueles que não tiveram a sorte de ficar no lado vencedor da história.
Ainda no sentimento dos romances históricos, fica a recomendação de Relato de um certo oriente, do aclamado Milton Hatoum – que ganhou adaptação cinematográfica no ano passado. Escrito em 1989 e ganhador do prêmio Jabuti de 1990, o breve romance inaugura uma temática importante na obra do autor: as pontes que conectam o Brasil ao mundo árabe, com destaque para a comunidade libanesa na cidade de Manaus. Aqui, temos uma mulher que retorna à cidade depois de um longo período, à procura de sua avó, a matriarca de uma grande família de imigrantes libaneses. É com esse mote que conheceremos as muitas histórias dessa família e seus membros – segredos antigos, rixas, relacionamentos obsessivos, diferenças religiosas e os atritos entre as mentalidades do ocidente e do oriente. Tal qual o rio Amazonas, esta narrativa cativante flui entre leste e oeste, cidade e mata, morte e vida.
Para finalizar, trago aqui um livro que me acompanhou e me divertiu nas voltas para casa de trem esse mês – Noturno, do poeta Paulo Mielmiczuk. Saliento que preciso muito ler mais poesia, algo a se atentar neste ano. Reprimenda feita, os poemas contidos nesse livro, repletos de paródias das mais diversas, entregam um convite para o questionamento e, como consequência, para o olhar mais além do que o evidente, o óbvio. Convite mais que pertinente para o momento. Mais além, seus poemas têm um misto de acidez e jocosidade, que me remeteram a um resgate do deslumbramento da infância e à capacidade de brincar em meio ao caos. É preciso dar um jeito de tornar a vida mais leve, especialmente em um mundo que, sem a menor vergonha, se encaminha a passos largos para a direita.
Agradeço a você, que chegou até aqui e se dispôs a ler o que tenho a dizer. Essa foi a primeira edição da minha newsletter e minha única pretensão aqui é fazer o que já faço com quem me der trela: falar do que venho lendo e do que mais tem me inspirado. Sendo assim, pode esperar muita prosa de livro, e mais um tanto sobre filmes e outros tipos de arte. Se te apetecer, vou ficar contente em saber o que achou. Até a próxima leitura!
Cara, adorei! Curto suas falas e indicações há muito tempo, desde que lhe conheci. Siga firme! Vou indicar para outros amigos ;)
te amo querido amigo, belo texto sou seu fã numero 1